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domingo, 9 de outubro de 2016

O porquê dos nossos sentimentos: por que existem emoções e sentimentos negativos?

Palavras-chave: neurociência, emoção, sentimento, evolução, ódio, raiva, agressividade 

Resumo.  
Sentimentos e emoções serviram a nossa sobrevivência como espécies no planeta pois, como exemplo, o amor, o afeto e o carinho entre pais e filhotes foram e são uma ligação das mais importantes do reino animal, até os pequenos animais adquirirem maturidade para uma vida independente. Mas, e os sentimentos e as emoções negativas? Como estamos vivos hoje se antes da nossa espécie já havia ancestrais com poderosíssimas forças negativas em suas mentes? O que aconteceu e o que acontece? Estariam e estão na contramão da evolução?  Neste artigo eu discorro sobre dois deles, aparentemente desastrosos para quaisquer espécies, e dos mais comuns e intensos, o ódio e a raiva, e mais ainda, com o potencial de levar à agressividade, mas possuindo sim um papel indispensável na evolução se analisados cuidadosamente. A partir do desenvolvimento do sistema nervoso, do mais primitivo ao mais capacitado e complexo, o cérebro humano, mostro como foram fundamentais na preservação das espécies de muitos seres vivos. 

Introdução.  
Nos meus artigos “A base material dos sentimentos”, (1) “A base material dos sentimentos - II” (2), “O porquê dos nossos sentimentos” (3) e “O porquê dos nossos sentimentos - II” (4), também presentes em “Sistemas, teoria da evolução e neurociências”, (5) eu  escrevi sobre os sentimentos positivos como imprescindíveis na perpetuação dos seres humanos na Terra e reconheço a necessidade de se escrever sobre os sentimentos negativos porque também são reais, existem conosco e outros animais desde há muito tempo, e, aparentemente em uma grande contradição, tiveram suas importâncias na evolução. 

Agressividade 

Para começar voltarei no tempo justamente na época do próprio surgimento e desenvolvimento ulterior da vida. 

Imagine um cenário muito antigo, em um lago ou oceano, quando dos primeiros seres vivos unicelulares, com uma substância, uma fonte de calor, etc., ameaçando um grupo desses pequenos seres já providos de movimentos próprios. Alguns deles não só conseguiam perceber o perigo como também reagiam se movendo em direção e sentido opostos ao local dessas ameaças. Os outros simplesmente seriam destruídos por esses fenômenos tão comuns na natureza. 

Percebe-se por aqueles sobreviventes, dois fatores cruciais em suas reações: a percepção da ameaça e todo um sistema a colocar-lhes em movimento a um local seguro. O movimento desses heróis microscópicos reflete uma pequena dose de agressividade perante ao meio ambiente, uma não passividade frente ao perigo, um pequeno, mas verdadeiro embrião de um sistema nervoso a serviço de suas sobrevivências. 

Na alimentação por fagocitose, os pseudópodes da célula agressora englobam o material a ser ingerido. É um processo ativo, demonstrando de forma mais clara esse embrião de sistema nervoso pois há intenção, ataque e captura de uma “presa”, a saber, um simples corpo sólido ou outro ser vivo, mas indispensável à vida de quem o realiza. Imagine então um predador, um organismo multicelular, no qual a sua presa percebe a sua presença e tende a se afastar ou a se defender.  

Um processo desses preservado, aperfeiçoado, por genes, chegou até nós e o fazemos com requintes de crueldade para saborearmos uma boa porção de carne. Veja, bilhões de anos, inúmeras quantidades de predadores, presas, habitats e comportamentos inexistentes hoje ou não, levam a marca implacável da agressividade como denominador comum na sobrevivência das espécies. 

Mas a agressividade se revela de maneira diversa em seres vivos complexos não só com respeito à captura de presas, em ataques dos mais variados modos, etc. Dizendo do comportamento humano, você, ao colocar toda a sua motivação para terminar um trabalho atrasado, podendo até lhe causar a perda do emprego, estará descarregando uma grande dose de agressividade. Uma repreensão verbal a um filho de forma enérgica pois ele acabara de fazer algo errado também é uma agressão, embora diferente pois é de maneira consciente, respeitosa, ensinando-o diferenciar o certo do errado. 

E a agressividade entre pessoas levando à morte ou a danos físicos? Isso sempre existiu e realmente, em sua maioria, é contra a evolução. Mas, simplificando, todas as pessoas não ficam todos os dias se agredindo! Aqui, neste ponto do artigo, deve-se ter cuidado com ideias e colocações pois realmente o ser humano sempre viveu em conflitos e guerras, mas hoje somos mais de sete bilhões habitando a Terra. Outros valores e sentimentos predominaram.  

Raiva 

Uma emoção poderosa, causada por muitos fatores como não atingirmos um objetivo ou necessidade, termos uma contrariedade, não satisfazer um desejo ou termos uma ação frustrada, sentirmos nossos direitos desrespeitados, nos depararmos com injustiças, críticas, ofensas, etc. Nosso dia a dia também acarreta estados de raiva: uma fila demorada, uma piada de mau gosto, um aceno indesejado de alguém no trânsito, etc.  

Apesar de ser uma emoção destrutiva eu pergunto: quem gostaria de passar raiva durante 24 horas? Temos defesas para afastarmos estados de raiva, principalmente a racionalização, a qual, em nossa razão, pode-se determinar se compensa ou não uma ação guiada pela raiva. Mas, como a agressividade, ela existe…  

A mesma questão como na agressividade: ela estaria na contramão da evolução? A resposta também é não. Ela aumenta a energia e a força para um animal abater uma presa reagindo com eficiência a um ataque. Um complemento, uma ajuda na agressividade. E como na repreensão verbal a um filho citado em “agressividade”, você poderá estar com raiva dele, mas a canaliza para o bem-estar da criança. 

Se no modo de vida moderno nós não precisamos abater diretamente um animal como faziam os antigos caçadores coletores, temos muitos estímulos levando-nos à raiva, mas aprendemos a, pelo menos, não a deixar alterar de modo significativo o nosso bem-estar psicológico e dos outros. Uma luta diária. Extravasamos nossa raiva falando de nossos sentimentos... 

Ódio 

De um rancor duradouro até um profundo sentimento de repulsa por alguém, o ódio também parece se localizar na contramão da evolução. Então por que o temos?  

Exemplos de nossos ancestrais em suas vidas primitivas permitem termos uma boa pista para esse aparente paradoxo. Um predador passa próximo a um grupo de humanos e se afasta. Não atacou ninguém, mas todos desconfiam de sua volta. E quando aparece desperta ódio, talvez já presente em muitos da tribo, levando aquelas pessoas a um ataque possivelmente já combinado entre os mais destemidos do grupo.  

O ódio a um inimigo ou a quem represente uma ameaça, poderá deixar uma mãe prestando mais atenção em possíveis perturbações a seus filhotes, ou seja, ele proporcionaria uma série de comportamentos não existindo sem ele na defesa da prole e de si mesma. Um ótimo exemplo de situações como essas é o próprio aprendizado da mãe nesse exemplo. 

Gosto de raciocinar de uma forma, sendo “o pensar ao contrário”: se o ódio, a raiva e a agressão não existissem, quanto não ficaríamos vulneráveis sem eles? Seria possível um ser vivo tão complexo como nós, mas tão puro, ingênuo e passivo?   

Acreditar só no amor ou somente nos sentimentos positivos existindo em animais complexos, com comportamentos complexos, me parece uma grande ingenuidade. O amor tem como oposto a indiferença, mas e o não gostar de algo? Me parece fazer parte da nossa sobrevivência o não gostar de muita coisa chegando realmente ao ódio àquilo perigoso a nós, comuns em quaisquer habitats onde vivemos. 

No plano social o ódio pode aparece entre pessoas que não se gostam ou é o resultado de desavenças, mas, como a raiva, há um certo controle por parte do ser humano para muitas diferenças não os levarem a conflitos desastrosos. Aprendemos a nos controlar, racionalizar como na raiva, percebendo se compensa ou não uma discussão ou uma agressão devido a um sentimento profundo como esse.  

Os seres vivos sempre estiveram em um mundo repleto de estímulos positivos e negativos! Do primeiro exemplo neste texto sobre um unicelular fugindo de uma fonte de calor, denotando uma reação a um estímulo negativo, até uma mãe não gostando nada de um inimigo ou uma ameaça a sua prole, algum animal considerado perigosa para ela, a agressividade, acompanhada por raiva, ódio, etc., se perpetuaram como comportamentos de geração a geração. Não dá para conceber um planeta como o nosso onde sobreviveriam apenas indivíduos com reações benéficas com o ambiente. E note no exemplo da mãe a necessidade de   um sistema nervoso complexo, evoluído de muitas e muitas gerações como são os dos mamíferos. 

Seja lá como eram os primeiros unicelulares em estrutura e comportamento, eles estavam adaptados e procriaram dentro de ambientes com estímulos positivos e negativos reagindo de forma adequada a cada um deles. Conforme o sistema nervoso foi evoluindo, regiões e/ou funções diversas responsáveis pela agressão, raiva e o ódio, foram se perpetuando nos organismos multicelulares. 


Bibliografia: 

1 - Argos (de) Arruda Pinto. A base material dos sentimentos. Cérebro & Mente. 2001.  Disponível em: < http://www.cerebromente.org.br/n12/opiniao/sentimentos.html >.  Acesso em: 11/07/2018. 

2 - Argos (de) Arruda Pinto. A base material dos sentimentos - 02. Cérebro & Mente. 2001. Disponível em: < http://www.cerebromente.org.br/n13/opiniao/material.html >. Acesso em: 11/07/2018. 

3 - Argos (de) Arruda Pinto. O Porquê dos nossos sentimentos. Cérebro & Mente. 2001. Disponível em: < http://www.cerebromente.org.br/n14/opinion/material3.html >. Acesso em: 11/07/2018. 

4 - Argos (de) Arruda Pinto. O Porquê dos nossos Sentimentos - 02. Cérebro & Mente. 2002. Disponível em: < http://www.cerebromente.org.br/n15/opiniao/sentimentos2.html >. Acesso em: 11/07/2018. 

5 - Argos Arruda Pinto. Sistemas, teoria da evolução e neurociências. 2008.  Disponível em: < https://sistemaevolucaoneurociencia.blogspot.com >. Acesso em: 11/07/2018.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

A Base Material dos Sentimentos

Você está ansioso. Uma angústia profunda o faz sentir-se como quem perdera um membro familiar. Tudo, menos feliz é o estado em que se encontra. É recomendado tomar um ansiolítico pelo seu médico e pronto: você, feito mágica, volta a sorrir, suas emoções se estabilizam e a vontade de viver se torna intensa. E o que ingeriu? Substâncias químicas!

Outro está deprimido. Pior: a tristeza, a auto-comiseração, a incapacidade momentânea de não achar graça em nada, podem destruir essa pessoa. Sair, ver amigos, praticar esportes, não surtem efeitos. Nem vontade para essas coisas ela têm. É indicado adequadamente o uso de antidepressivos e em pouco tempo a vida dela muda radicalmente. Os sentimentos negativos cessam em intensidade e a estrutura emocional se restaura. O humor e a alegria de viver voltam a fazer parte de seu dia a dia. E o que ela ingeriu? Substâncias químicas!

Esses dois exemplos, em meio a tantos, ilustram de maneira simplificada o poder curativo de certas substâncias. Elas atuam em nível celular, nos neurônios, influindo no comportamento visível demonstrado pelas pessoas através de seus sentimentos e emoções. Os neurônios são células cerebrais constituintes do sistema nervoso. Para um impulso nervoso se deslocar de um neurônio a outro - a sinapse - faz-se necessário uma presença entre eles de substâncias chamadas neurotransmissoras. Nesse processo podem ocorrer reflexos para determinadas regiões de nosso corpo, onde temos a sensação de que o que sentimos é produzido no próprio local. Um aperto em nosso peito devido a uma paixão levava os antigos a acharem que a sede de nossos sentimentos amorosos era no coração...

A depressão caracteriza-se por uma baixa atividade neurônica devido à falta de substâncias desse tipo, como, por exemplo, a serotonina. O ansiolítico atua aumentando o efeito de neurotransmissores inibitórios da resposta nervosa, como o ácido gama-aminobutírico - GABA. A ansiedade, então, grosso modo, é um estado emocional no qual os neurônios têm suas atividades exageradas.

Tudo isso é bem conhecido entre os médicos e pouco pelo público. Poucas são as reportagens, livros ou informações, relacionando toda essa química aos nossos sentimentos. Os cientistas, já há décadas, vêm descobrindo e utilizando para o nosso bem, na forma de medicamentos, as interligações entre neurotransmissores, condução nervosa, sentimentos e emoções. Estes dois últimos seriam produzidos no cérebro devido a estímulos internos ou externos, visando à perpetuação da espécie segundo a Teoria da Evolução de Darwin. Não formaríamos famílias, sociedades, etc., se não fossem a imensa variedade de sentimentos a que nos pertencem, formando poderosos vínculos entre nós e nossos semelhantes. Como apenas um exemplo, o amor e o afeto, e consequentemente a dedicação dos pais com os filhos, mostra de maneira clara essa força de ligação entre eles.

Nós nascemos completamente indefesos contra as adversidades do mundo exterior. Não só os humanos, mas os outros mamíferos e as aves são evoluídos suficientemente para cuidarem, por meses ou anos, de seus filhotes até atingirem a maturidade necessária para enfrentarem o mundo que os rodeia. A agressividade e até o medo, em forma de defesa, são importantes nessa luta pela sobrevivência e também fazem parte da rede intrincada de reações químicas no cérebro desses seres vivos que são os mais complexos do planeta.

Os peixes, os répteis, os anfíbios e os animais inferiores já nascem em condições favoráveis de luta para a sobrevivência, não possuindo, ou pelo menos sendo pouco desenvolvida, uma região cerebral denominada sistema límbico. É esse sistema o principal responsável pelas nossas emoções e sentimentos.

Já se conseguiu, através de estimulação natural do sistema límbico, que pessoas chegassem a sentimentalismos exagerados, achando elas inexplicáveis esse tipo de comportamento. Em animais agressivos, a simples remoção de uma porção límbica chamada amígdala, fez com que eles se tornassem dóceis e calmos. Em situação oposta, a estimulação do funcionamento da amígdala levou um animal doméstico a estados de terror, agitação intensa e anormal, sem quaisquer motivos reais.

Os objetos de estudo das ciências são aqueles fenômenos percebidos pelos nossos sentidos, algumas vezes utilizando-se equipamentos específicos de laboratório, e que podemos depois entendê-los de maneira objetiva e racional. Fenômenos considerados como manifestações de nossa alma vêm sendo sistematicamente estudados como poderosas interações químicas, capazes de levarem as pessoas de estados momentâneos de alegria ou tristeza, até para paixões avassaladoras e o amor.

Nosso cérebro é composto de um número de combinações sinápticas que ultrapassa o número de átomos do universo conhecido. O número de estados mentais, então, é muito grande, mas é evidente que não somos afetados por todos eles. Mesmo assim o restante é considerável a ponto do cérebro entrar em estados riquíssimos de complexidade e singularidade, tornando-se fonte de situações negativas, ora positivas, às quais chamamos de emoções e sentimentos.

Para muitas pessoas isso soa como puro materialismo, entretanto, os filósofos cristãos e teólogos, entre outros, e em épocas nada adiantadas em Tecnologia, Medicina, Química, e ciências afins, atribuíram a causas sobrenaturais o que essas disciplinas estão descobrindo agora em termos de química cerebral. E os resultados dessas atribuições foram passadas de geração a geração até nós como fatos incontestáveis e intocáveis.

Se algumas substâncias químicas alteram profundamente os nossos sentimentos, então tudo aquilo que é sobrenatural, principalmente os nossos conceitos de alma e espírito, deverá sofrer com o tempo algumas modificações com respeito às suas influências sobre a nossa mente e nosso corpo. O futuro da Ciência será em descobrir até que ponto eles são afetados por tudo que não é sobrenatural. Se é que o sobrenatural existe...

Uma nova revolução filosófica religiosa está prestes a acontecer. Não antes da ciência tiver certeza por onde começar, pois, lidar com conceitos tão arraigados em nossa civilização é tarefa, no mínimo, para ser realizada com muita responsabilidade.



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