Você está ansioso. Uma angústia profunda o
faz sentir-se como quem perdera um membro familiar. Tudo, menos feliz é o
estado em que se encontra. É recomendado tomar um ansiolítico pelo seu médico e
pronto: você, feito mágica, volta a sorrir, suas emoções se estabilizam e a
vontade de viver se torna intensa. E o que ingeriu? Substâncias químicas!
Outro está deprimido. Pior: a tristeza, a
auto-comiseração, a incapacidade momentânea de não achar graça em nada, podem
destruir essa pessoa. Sair, ver amigos, praticar esportes, não surtem efeitos.
Nem vontade para essas coisas ela têm. É indicado adequadamente o uso de
antidepressivos e em pouco tempo a vida dela muda radicalmente. Os sentimentos
negativos cessam em intensidade e a estrutura emocional se restaura. O humor e
a alegria de viver voltam a fazer parte de seu dia a dia. E o que ela ingeriu?
Substâncias químicas!
Esses dois exemplos, em meio a tantos,
ilustram de maneira simplificada o poder curativo de certas substâncias. Elas
atuam em nível celular, nos neurônios, influindo no comportamento visível
demonstrado pelas pessoas através de seus sentimentos e emoções. Os neurônios
são células cerebrais constituintes do sistema nervoso. Para um impulso nervoso
se deslocar de um neurônio a outro - a sinapse - faz-se necessário uma presença
entre eles de substâncias chamadas neurotransmissoras. Nesse processo podem
ocorrer reflexos para determinadas regiões de nosso corpo, onde temos a
sensação de que o que sentimos é produzido no próprio local. Um aperto em nosso
peito devido a uma paixão levava os antigos a acharem que a sede de nossos
sentimentos amorosos era no coração...
A depressão caracteriza-se por uma baixa
atividade neurônica devido à falta de substâncias desse tipo, como, por
exemplo, a serotonina. O ansiolítico atua aumentando o efeito de
neurotransmissores inibitórios da resposta nervosa, como o ácido
gama-aminobutírico - GABA. A ansiedade, então, grosso modo, é um estado
emocional no qual os neurônios têm suas atividades exageradas.
Tudo isso é bem conhecido entre os médicos
e pouco pelo público. Poucas são as reportagens, livros ou informações,
relacionando toda essa química aos nossos sentimentos. Os cientistas, já há
décadas, vêm descobrindo e utilizando para o nosso bem, na forma de
medicamentos, as interligações entre neurotransmissores, condução nervosa,
sentimentos e emoções. Estes dois últimos seriam produzidos no cérebro devido a
estímulos internos ou externos, visando à perpetuação da espécie segundo a
Teoria da Evolução de Darwin. Não formaríamos famílias, sociedades, etc., se
não fossem a imensa variedade de sentimentos a que nos pertencem, formando
poderosos vínculos entre nós e nossos semelhantes. Como apenas um exemplo, o
amor e o afeto, e consequentemente a dedicação dos pais com os filhos, mostra
de maneira clara essa força de ligação entre eles.
Nós nascemos completamente indefesos
contra as adversidades do mundo exterior. Não só os humanos, mas os outros
mamíferos e as aves são evoluídos suficientemente para cuidarem, por meses ou
anos, de seus filhotes até atingirem a maturidade necessária para enfrentarem o
mundo que os rodeia. A agressividade e até o medo, em forma de defesa, são
importantes nessa luta pela sobrevivência e também fazem parte da rede
intrincada de reações químicas no cérebro desses seres vivos que são os mais
complexos do planeta.
Os peixes, os répteis, os anfíbios e os
animais inferiores já nascem em condições favoráveis de luta para a sobrevivência,
não possuindo, ou pelo menos sendo pouco desenvolvida, uma região cerebral
denominada sistema límbico. É esse sistema o principal responsável pelas nossas
emoções e sentimentos.
Já se conseguiu, através de estimulação
natural do sistema límbico, que pessoas chegassem a sentimentalismos exagerados,
achando elas inexplicáveis esse tipo de comportamento. Em animais agressivos, a
simples remoção de uma porção límbica chamada amígdala, fez com que eles se
tornassem dóceis e calmos. Em situação oposta, a estimulação do funcionamento
da amígdala levou um animal doméstico a estados de terror, agitação intensa e
anormal, sem quaisquer motivos reais.
Os objetos de estudo das ciências são
aqueles fenômenos percebidos pelos nossos sentidos, algumas vezes utilizando-se
equipamentos específicos de laboratório, e que podemos depois entendê-los de
maneira objetiva e racional. Fenômenos considerados como manifestações de nossa
alma vêm sendo sistematicamente estudados como poderosas interações químicas,
capazes de levarem as pessoas de estados momentâneos de alegria ou tristeza,
até para paixões avassaladoras e o amor.
Nosso cérebro é composto de um número de
combinações sinápticas que ultrapassa o número de átomos do universo conhecido.
O número de estados mentais, então, é muito grande, mas é evidente que não
somos afetados por todos eles. Mesmo assim o restante é considerável a ponto do
cérebro entrar em estados riquíssimos de complexidade e singularidade,
tornando-se fonte de situações negativas, ora positivas, às quais chamamos de
emoções e sentimentos.
Para muitas pessoas isso soa como puro
materialismo, entretanto, os filósofos cristãos e teólogos, entre outros, e em
épocas nada adiantadas em Tecnologia, Medicina, Química, e ciências afins,
atribuíram a causas sobrenaturais o que essas disciplinas estão descobrindo
agora em termos de química cerebral. E os resultados dessas atribuições foram
passadas de geração a geração até nós como fatos incontestáveis e intocáveis.
Se algumas substâncias químicas alteram
profundamente os nossos sentimentos, então tudo aquilo que é sobrenatural,
principalmente os nossos conceitos de alma e espírito, deverá sofrer com o
tempo algumas modificações com respeito às suas influências sobre a nossa mente
e nosso corpo. O futuro da Ciência será em descobrir até que ponto eles são
afetados por tudo que não é sobrenatural. Se é que o sobrenatural existe...
Uma nova revolução filosófica religiosa
está prestes a acontecer. Não antes da ciência tiver certeza por onde começar,
pois, lidar com conceitos tão arraigados em nossa civilização é tarefa, no
mínimo, para ser realizada com muita responsabilidade.
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